Fernandes Figueiredo em Foco

25 de abril de 2019

Segurança, risco e negócios

É um tanto quanto recorrente a afirmação de que um dos graves defeitos do País é a falta de segurança jurídica, o que afetaria automaticamente o ambiente de negócios e consequentemente as operações desenvolvidas.

Porém, como essa “nova lei da física”, de fato, ocorre? Como uma conclusão tão perigosa, cujas consequências podem ser das piores, pode se transformar numa frase clichê, que se espraia por todas as entrevistas concedidas nos “quatro cantos”? – Somente a partir de exemplos concretos insertos num ambiente de negócios, ou seja, aquilo que se vê no cotidiano, é que se pode ter uma dimensão aproximada dessa temeridade. Porém, antes de se passar à conclusão, é necessário que se comece da origem e que o trajeto seja percorrido.

Já os riscos, econômica e financeiramente falando, podem ser (a) evitados, (b) atenuados, (c) transferidos e (d) absorvidos. Se (a) evitados, opta-se por não realizar os negócios, o que, numa linguagem bem simples, não faria a economia girar; caso (b) atenuados, toma-se a decisão mais conservadora possível, que pode não ser a financeira e economicamente mais apropriada; se (c) transferidos, contrata-se, por exemplo, um seguro, o que encarece toda a operação, e; caso (d) absorvidos, imputa-se a precificação do risco no negócio, aumentando-o.

Note-se que, dos quatro caminhos, todos proporcionam algum tipo de reflexo nos negócios, de um panorama estático à majoração do preço, transitando-se pela falta de exploração contundente do potencial do negócio. E todos eles, em maior ou menor grau, são regulados juridicamente, por meio de cláusulas contratuais, escritas ou não. Todas as opções geram consequências. Agora, resta saber qual adotar.

Tome-se, exemplificativamente, o caso de uma empresa que busca um investidor (“sócio de capital”). Este último analisará, mesmo que por meio de terceiros, detidamente o nicho em que a empresa atua, sua “saúde financeira”, a expectativa de rentabilidade do investimento e outras coisas, ou seja, todo o risco da operação foi amplamente considerado.

Quando da análise das demonstrações financeiras da empresa, consta em destaque, dentre as suas notas explicativas, um ativo contingente – basicamente, um bem ou um direito cujo valor ou prazo de obtenção são incertos – referente a crédito – ou seja, direito de receber – de um tributo federal, de PIS e de COFINS, por exemplo, em razão da inclusão do ICMS no cálculo dessas contribuições.

A empresa, por precaução e apesar de se tratar de decisão judicial imodificável, optou por divulgar o valor do crédito em suas notas – no mesmo ano em que publicada a última decisão do STF sobre o tema –, e não por reconhecê-lo em seu balanço. O valor divulgado gozava de considerável exatidão, por refletir exatamente (i) a diferença entre as contribuições com e sem o ICMS no cálculo e (ii) a atualização de acordo com o índice oficial utilizado.

Contudo, num exercício posterior, a RFB divulgou seu entendimento sobre o tema e o defende ferrenhamente, diminuindo o potencial valor a ser restituído não apenas à empresa, mas a todos os contribuintes envolvidos. À época da análise do investimento, essa quantia foi relevante para que se efetivasse, pois a decisão imodificável, numa só tacada, reconheceu o crédito da empresa e diminuiu os valores futuros a serem cobrados de PIS e de COFINS.

Ocorre que o entendimento da RFB minorou o valor a ser devolvido e o benefício do qual a empresa se valeria (os valores de PIS e de COFINS cobrados futuramente serão maiores do que os anteriormente pensados). Nesse cenário, todos os riscos foram sopesados no momento do investimento, mas outros completamente imprevisíveis e de uma situação da qual não se supunha apareceram. Assim, se o investidor pudesse voltar atrás e mudar sua decisão, ele o teria feito?

Se pensado esse cenário para uma gama muito maior de empresas, o ambiente de negócios se torna completamente imprevisível e, a reboque, leva qualquer investidor racional a evitar os riscos, o que levará à estagnação e, posteriormente, à redução da atividade econômica. Então, por mais que possa parecer clichê, torna-se uma medida de ordem o estabelecimento de um cenário previsível, seguro e confi ável para as atividades econômicas, sem o qual, por mais que sobrevenham reformas estruturais, não haverá desenvolvimento e crescimento econômicos.

(*) – É advogado, coordenador do curso de pós-graduação em Direito Tributário da FGV Direito SP, e sócio fundador do Fernandes, Figueiredo Advogados;

(**) – É advogado do FF e atua em consultivo e contencioso tributário.

https://jornalempresasenegocios.com.br/images/edicoes/3853/pagina_06_ed_3853.pdf[:en]É um tanto quanto recorrente a afirmação de que um dos graves defeitos do País é a falta de segurança jurídica, o que afetaria automaticamente o ambiente de negócios e consequentemente as operações desenvolvidas.

Porém, como essa “nova lei da física”, de fato, ocorre? Como uma conclusão tão perigosa, cujas consequências podem ser das piores, pode se transformar numa frase clichê, que se espraia por todas as entrevistas concedidas nos “quatro cantos”? – Somente a partir de exemplos concretos insertos num ambiente de negócios, ou seja, aquilo que se vê no cotidiano, é que se pode ter uma dimensão aproximada dessa temeridade. Porém, antes de se passar à conclusão, é necessário que se comece da origem e que o trajeto seja percorrido.

Já os riscos, econômica e financeiramente falando, podem ser (a) evitados, (b) atenuados, (c) transferidos e (d) absorvidos. Se (a) evitados, opta-se por não realizar os negócios, o que, numa linguagem bem simples, não faria a economia girar; caso (b) atenuados, toma-se a decisão mais conservadora possível, que pode não ser a financeira e economicamente mais apropriada; se (c) transferidos, contrata-se, por exemplo, um seguro, o que encarece toda a operação, e; caso (d) absorvidos, imputa-se a precificação do risco no negócio, aumentando-o.

Note-se que, dos quatro caminhos, todos proporcionam algum tipo de reflexo nos negócios, de um panorama estático à majoração do preço, transitando-se pela falta de exploração contundente do potencial do negócio. E todos eles, em maior ou menor grau, são regulados juridicamente, por meio de cláusulas contratuais, escritas ou não. Todas as opções geram consequências. Agora, resta saber qual adotar.

Tome-se, exemplificativamente, o caso de uma empresa que busca um investidor (“sócio de capital”). Este último analisará, mesmo que por meio de terceiros, detidamente o nicho em que a empresa atua, sua “saúde financeira”, a expectativa de rentabilidade do investimento e outras coisas, ou seja, todo o risco da operação foi amplamente considerado.

Quando da análise das demonstrações financeiras da empresa, consta em destaque, dentre as suas notas explicativas, um ativo contingente – basicamente, um bem ou um direito cujo valor ou prazo de obtenção são incertos – referente a crédito – ou seja, direito de receber – de um tributo federal, de PIS e de COFINS, por exemplo, em razão da inclusão do ICMS no cálculo dessas contribuições.

A empresa, por precaução e apesar de se tratar de decisão judicial imodificável, optou por divulgar o valor do crédito em suas notas – no mesmo ano em que publicada a última decisão do STF sobre o tema –, e não por reconhecê-lo em seu balanço. O valor divulgado gozava de considerável exatidão, por refletir exatamente (i) a diferença entre as contribuições com e sem o ICMS no cálculo e (ii) a atualização de acordo com o índice oficial utilizado.

Contudo, num exercício posterior, a RFB divulgou seu entendimento sobre o tema e o defende ferrenhamente, diminuindo o potencial valor a ser restituído não apenas à empresa, mas a todos os contribuintes envolvidos. À época da análise do investimento, essa quantia foi relevante para que se efetivasse, pois a decisão imodificável, numa só tacada, reconheceu o crédito da empresa e diminuiu os valores futuros a serem cobrados de PIS e de COFINS.

Ocorre que o entendimento da RFB minorou o valor a ser devolvido e o benefício do qual a empresa se valeria (os valores de PIS e de COFINS cobrados futuramente serão maiores do que os anteriormente pensados). Nesse cenário, todos os riscos foram sopesados no momento do investimento, mas outros completamente imprevisíveis e de uma situação da qual não se supunha apareceram. Assim, se o investidor pudesse voltar atrás e mudar sua decisão, ele o teria feito?

Se pensado esse cenário para uma gama muito maior de empresas, o ambiente de negócios se torna completamente imprevisível e, a reboque, leva qualquer investidor racional a evitar os riscos, o que levará à estagnação e, posteriormente, à redução da atividade econômica. Então, por mais que possa parecer clichê, torna-se uma medida de ordem o estabelecimento de um cenário previsível, seguro e confi ável para as atividades econômicas, sem o qual, por mais que sobrevenham reformas estruturais, não haverá desenvolvimento e crescimento econômicos.

(*) – É advogado, coordenador do curso de pós-graduação em Direito Tributário da FGV Direito SP, e sócio fundador do Fernandes, Figueiredo Advogados;

(**) – É advogado do FF e atua em consultivo e contencioso tributário.

https://jornalempresasenegocios.com.br/images/edicoes/3853/pagina_06_ed_3853.pdf[:es]É um tanto quanto recorrente a afirmação de que um dos graves defeitos do País é a falta de segurança jurídica, o que afetaria automaticamente o ambiente de negócios e consequentemente as operações desenvolvidas.

Porém, como essa “nova lei da física”, de fato, ocorre? Como uma conclusão tão perigosa, cujas consequências podem ser das piores, pode se transformar numa frase clichê, que se espraia por todas as entrevistas concedidas nos “quatro cantos”? – Somente a partir de exemplos concretos insertos num ambiente de negócios, ou seja, aquilo que se vê no cotidiano, é que se pode ter uma dimensão aproximada dessa temeridade. Porém, antes de se passar à conclusão, é necessário que se comece da origem e que o trajeto seja percorrido.

Já os riscos, econômica e financeiramente falando, podem ser (a) evitados, (b) atenuados, (c) transferidos e (d) absorvidos. Se (a) evitados, opta-se por não realizar os negócios, o que, numa linguagem bem simples, não faria a economia girar; caso (b) atenuados, toma-se a decisão mais conservadora possível, que pode não ser a financeira e economicamente mais apropriada; se (c) transferidos, contrata-se, por exemplo, um seguro, o que encarece toda a operação, e; caso (d) absorvidos, imputa-se a precificação do risco no negócio, aumentando-o.

Note-se que, dos quatro caminhos, todos proporcionam algum tipo de reflexo nos negócios, de um panorama estático à majoração do preço, transitando-se pela falta de exploração contundente do potencial do negócio. E todos eles, em maior ou menor grau, são regulados juridicamente, por meio de cláusulas contratuais, escritas ou não. Todas as opções geram consequências. Agora, resta saber qual adotar.

Tome-se, exemplificativamente, o caso de uma empresa que busca um investidor (“sócio de capital”). Este último analisará, mesmo que por meio de terceiros, detidamente o nicho em que a empresa atua, sua “saúde financeira”, a expectativa de rentabilidade do investimento e outras coisas, ou seja, todo o risco da operação foi amplamente considerado.

Quando da análise das demonstrações financeiras da empresa, consta em destaque, dentre as suas notas explicativas, um ativo contingente – basicamente, um bem ou um direito cujo valor ou prazo de obtenção são incertos – referente a crédito – ou seja, direito de receber – de um tributo federal, de PIS e de COFINS, por exemplo, em razão da inclusão do ICMS no cálculo dessas contribuições.

A empresa, por precaução e apesar de se tratar de decisão judicial imodificável, optou por divulgar o valor do crédito em suas notas – no mesmo ano em que publicada a última decisão do STF sobre o tema –, e não por reconhecê-lo em seu balanço. O valor divulgado gozava de considerável exatidão, por refletir exatamente (i) a diferença entre as contribuições com e sem o ICMS no cálculo e (ii) a atualização de acordo com o índice oficial utilizado.

Contudo, num exercício posterior, a RFB divulgou seu entendimento sobre o tema e o defende ferrenhamente, diminuindo o potencial valor a ser restituído não apenas à empresa, mas a todos os contribuintes envolvidos. À época da análise do investimento, essa quantia foi relevante para que se efetivasse, pois a decisão imodificável, numa só tacada, reconheceu o crédito da empresa e diminuiu os valores futuros a serem cobrados de PIS e de COFINS.

Ocorre que o entendimento da RFB minorou o valor a ser devolvido e o benefício do qual a empresa se valeria (os valores de PIS e de COFINS cobrados futuramente serão maiores do que os anteriormente pensados). Nesse cenário, todos os riscos foram sopesados no momento do investimento, mas outros completamente imprevisíveis e de uma situação da qual não se supunha apareceram. Assim, se o investidor pudesse voltar atrás e mudar sua decisão, ele o teria feito?

Se pensado esse cenário para uma gama muito maior de empresas, o ambiente de negócios se torna completamente imprevisível e, a reboque, leva qualquer investidor racional a evitar os riscos, o que levará à estagnação e, posteriormente, à redução da atividade econômica. Então, por mais que possa parecer clichê, torna-se uma medida de ordem o estabelecimento de um cenário previsível, seguro e confi ável para as atividades econômicas, sem o qual, por mais que sobrevenham reformas estruturais, não haverá desenvolvimento e crescimento econômicos.

(*) – É advogado, coordenador do curso de pós-graduação em Direito Tributário da FGV Direito SP, e sócio fundador do Fernandes, Figueiredo Advogados;

(**) – É advogado do FF e atua em consultivo e contencioso tributário.

https://jornalempresasenegocios.com.br/images/edicoes/3853/pagina_06_ed_3853.pdf