Fernandes Figueiredo em Foco

21 de janeiro de 2019

Cuidado para não perder a casa

Lei que regulamenta os distratos imobiliários é dura com os compradores que desistem

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Em um de seus últimos atos, o ex-presidente Michel Temer aprovou a lei que regulamenta a multa para o comprador de um imóvel que desistir do negócio antes de quitar sua fatura. A lei dos distratos, aprovada na Câmara e no Senado no fim de 2018 depois de três anos de discussão, adotou a mais severa das atitudes contra o comprador que muda de ideia. Até antes de sua assinatura, o desistente poderia ter cerca de 90% dos valores pagos devolvidos pela construtora. Agora, esse percentual caiu para 50%. Na ponta do lápis, desistir pode significar a perda de metade do valor pago.

O problema do distrato, algo comum em qualquer acordo contratual, agravou-se a partir de 2015. O aumento do desemprego fez com que milhares de compradores, incapazes de pagar as prestações e ameaçados de perder o que haviam pago, tentassem cancelar os negócios. Pela praxe, as incorporadoras costumavam reter ao redor de 20% do valor pago, para custear as despesas com a obra. Porém, quando o número de distratos se multiplicou, o desaparecimento não-planejado de parte do fluxo de caixa previsto ameaçou tornar inviáveis as obras. A crise tornou o recebimento incerto para os compradores, que recorreram em massa à Justiça. “O assunto foi muito judicializado”, diz o advogado Joaquim Rolim Ferraz, sócio do Juveniz Rolim Ferraz Advogados Associados. Ferraz advoga em favor das incorporadoras, e diz que os tribunais não têm sido benevolentes com as empresas. “A média de decisões favoráveis ao distratante tem sido de 60%, o que, no Judiciário, é um percentual elevadíssimo”, diz ele.

EFEITO DA CRISE Para o advogado, a origem do problema era um vácuo legal. O assunto é regido pela Lei de Incorporações Imobiliárias. É um texto promulgado em 1964, que sofreu apenas uma alteração significativa, em 2004. Naquele ano, a falência da construtora Encol criou um mecanismo para proteger o consumidor. Conhecida pelo nome assustador de patrimônio de afetação, a regra é simples de entender. Cada empreendimento é uma empresa isolada. Se a construtora quebrar, como ocorreu com a Encol, os edifícios em construção não são tragados pelo sorvedouro da massa falida. No entanto, diz Ferraz, essa proteção causa um problema se houver muitos distratos. “O dinheiro que o consumidor pagou não fica com a incorporadora, mas é transformado em cimento”, diz ele. “Se tiver de sacar os recursos do caixa, a incorporadora fica sem capital para dar andamento à obra.”

Com a nova lei, muita coisa muda (observe o quadro na página ao lado). Agora, a multa passou a ser de até 50% do valor pago à incorporadora. Além disso, a lei consolidou diversos pontos da jurisprudência, como a redução do prazo de arrependimento para sete dias após a assinatura do contrato. Os únicos pontos mais favoráveis para o consumidor são que, agora, no começo de cada contrato deve haver um quadro resumo com os principais pontos do negócio, explicando claramente as condições e as multas. Além disso, a lei define como ilegal a cobrança de uma taxa de Serviços de Assessoria Técnica Imobiliária, conhecida como taxa Sati. “A lei deixou vários pontos mais claros”, Elisa Fernandes, sócia-fundadora do escritório FF Advogados. “Esse é um movimento muito favorável ao mercado imobiliário, pois permite às incorporadoras planejar melhor, o que favorece o consumidor”, diz ela.

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Edifício em construção: multa para quem desistir será de 50% do valor pago

Segundo a advogada, o único ponto que não está claro na nova lei é se ela vale para todos os contratos imobiliários ou apenas para os que forem assinados a partir de sua promulgação. “Esse ponto ainda terá de ser pacificado”, diz ela. Por via das dúvidas, Elisa instrui seus clientes a considerar todos os contratos como sujeitos à nova regulamentação.

CONSUMDORES Os representantes dos direitos do consumidor, como o Procon e a Proteste, não gostaram, pois consideram as regras severas demais. Durante a tramitação, representantes de ambos os lados chegaram a se reunir várias vezes para tentar buscar um consenso. Algumas das propostas ventiladas durante a tramitação previam percentuais diferentes para as multas, dependendo do valor do imóvel, além da diferenciação entre imóveis residenciais e comerciais.

Agora, de acordo com o professor Antonio Carlos Morato, do Departamento de Direito Civil da Faculdade de Direito da USP e especialista em Direito do Consumidor, a multa de 50% do valor já pago é injusta. Para ele, há um desequilíbrio entre o exigido ao consumidor e o exigido às construtoras. “É algo que demonstra a existência clara de grupos de pressão no Congresso Nacional, que acabaram prevalecendo neste período”, diz ele. Morato prevê que a nova lei poderá ser contestada no Supremo Tribunal Federal. Independentemente disso, a recomendação para quem for comprar um imóvel financiado é ser muito mais cauteloso com os números, pois o preço da desistência ficou muito mais salgado.

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https://www.istoedinheiro.com.br/cuidado-para-nao-perder-a-casa/

 [:en]

Lei que regulamenta os distratos imobiliários é dura com os compradores que desistem

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Em um de seus últimos atos, o ex-presidente Michel Temer aprovou a lei que regulamenta a multa para o comprador de um imóvel que desistir do negócio antes de quitar sua fatura. A lei dos distratos, aprovada na Câmara e no Senado no fim de 2018 depois de três anos de discussão, adotou a mais severa das atitudes contra o comprador que muda de ideia. Até antes de sua assinatura, o desistente poderia ter cerca de 90% dos valores pagos devolvidos pela construtora. Agora, esse percentual caiu para 50%. Na ponta do lápis, desistir pode significar a perda de metade do valor pago.

O problema do distrato, algo comum em qualquer acordo contratual, agravou-se a partir de 2015. O aumento do desemprego fez com que milhares de compradores, incapazes de pagar as prestações e ameaçados de perder o que haviam pago, tentassem cancelar os negócios. Pela praxe, as incorporadoras costumavam reter ao redor de 20% do valor pago, para custear as despesas com a obra. Porém, quando o número de distratos se multiplicou, o desaparecimento não-planejado de parte do fluxo de caixa previsto ameaçou tornar inviáveis as obras. A crise tornou o recebimento incerto para os compradores, que recorreram em massa à Justiça. “O assunto foi muito judicializado”, diz o advogado Joaquim Rolim Ferraz, sócio do Juveniz Rolim Ferraz Advogados Associados. Ferraz advoga em favor das incorporadoras, e diz que os tribunais não têm sido benevolentes com as empresas. “A média de decisões favoráveis ao distratante tem sido de 60%, o que, no Judiciário, é um percentual elevadíssimo”, diz ele.

EFEITO DA CRISE Para o advogado, a origem do problema era um vácuo legal. O assunto é regido pela Lei de Incorporações Imobiliárias. É um texto promulgado em 1964, que sofreu apenas uma alteração significativa, em 2004. Naquele ano, a falência da construtora Encol criou um mecanismo para proteger o consumidor. Conhecida pelo nome assustador de patrimônio de afetação, a regra é simples de entender. Cada empreendimento é uma empresa isolada. Se a construtora quebrar, como ocorreu com a Encol, os edifícios em construção não são tragados pelo sorvedouro da massa falida. No entanto, diz Ferraz, essa proteção causa um problema se houver muitos distratos. “O dinheiro que o consumidor pagou não fica com a incorporadora, mas é transformado em cimento”, diz ele. “Se tiver de sacar os recursos do caixa, a incorporadora fica sem capital para dar andamento à obra.”

Com a nova lei, muita coisa muda (observe o quadro na página ao lado). Agora, a multa passou a ser de até 50% do valor pago à incorporadora. Além disso, a lei consolidou diversos pontos da jurisprudência, como a redução do prazo de arrependimento para sete dias após a assinatura do contrato. Os únicos pontos mais favoráveis para o consumidor são que, agora, no começo de cada contrato deve haver um quadro resumo com os principais pontos do negócio, explicando claramente as condições e as multas. Além disso, a lei define como ilegal a cobrança de uma taxa de Serviços de Assessoria Técnica Imobiliária, conhecida como taxa Sati. “A lei deixou vários pontos mais claros”, Elisa Fernandes, sócia-fundadora do escritório FF Advogados. “Esse é um movimento muito favorável ao mercado imobiliário, pois permite às incorporadoras planejar melhor, o que favorece o consumidor”, diz ela.

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Edifício em construção: multa para quem desistir será de 50% do valor pago

Segundo a advogada, o único ponto que não está claro na nova lei é se ela vale para todos os contratos imobiliários ou apenas para os que forem assinados a partir de sua promulgação. “Esse ponto ainda terá de ser pacificado”, diz ela. Por via das dúvidas, Elisa instrui seus clientes a considerar todos os contratos como sujeitos à nova regulamentação.

CONSUMDORES Os representantes dos direitos do consumidor, como o Procon e a Proteste, não gostaram, pois consideram as regras severas demais. Durante a tramitação, representantes de ambos os lados chegaram a se reunir várias vezes para tentar buscar um consenso. Algumas das propostas ventiladas durante a tramitação previam percentuais diferentes para as multas, dependendo do valor do imóvel, além da diferenciação entre imóveis residenciais e comerciais.

Agora, de acordo com o professor Antonio Carlos Morato, do Departamento de Direito Civil da Faculdade de Direito da USP e especialista em Direito do Consumidor, a multa de 50% do valor já pago é injusta. Para ele, há um desequilíbrio entre o exigido ao consumidor e o exigido às construtoras. “É algo que demonstra a existência clara de grupos de pressão no Congresso Nacional, que acabaram prevalecendo neste período”, diz ele. Morato prevê que a nova lei poderá ser contestada no Supremo Tribunal Federal. Independentemente disso, a recomendação para quem for comprar um imóvel financiado é ser muito mais cauteloso com os números, pois o preço da desistência ficou muito mais salgado.

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Em um de seus últimos atos, o ex-presidente Michel Temer aprovou a lei que regulamenta a multa para o comprador de um imóvel que desistir do negócio antes de quitar sua fatura. A lei dos distratos, aprovada na Câmara e no Senado no fim de 2018 depois de três anos de discussão, adotou a mais severa das atitudes contra o comprador que muda de ideia. Até antes de sua assinatura, o desistente poderia ter cerca de 90% dos valores pagos devolvidos pela construtora. Agora, esse percentual caiu para 50%. Na ponta do lápis, desistir pode significar a perda de metade do valor pago.

O problema do distrato, algo comum em qualquer acordo contratual, agravou-se a partir de 2015. O aumento do desemprego fez com que milhares de compradores, incapazes de pagar as prestações e ameaçados de perder o que haviam pago, tentassem cancelar os negócios. Pela praxe, as incorporadoras costumavam reter ao redor de 20% do valor pago, para custear as despesas com a obra. Porém, quando o número de distratos se multiplicou, o desaparecimento não-planejado de parte do fluxo de caixa previsto ameaçou tornar inviáveis as obras. A crise tornou o recebimento incerto para os compradores, que recorreram em massa à Justiça. “O assunto foi muito judicializado”, diz o advogado Joaquim Rolim Ferraz, sócio do Juveniz Rolim Ferraz Advogados Associados. Ferraz advoga em favor das incorporadoras, e diz que os tribunais não têm sido benevolentes com as empresas. “A média de decisões favoráveis ao distratante tem sido de 60%, o que, no Judiciário, é um percentual elevadíssimo”, diz ele.

EFEITO DA CRISE Para o advogado, a origem do problema era um vácuo legal. O assunto é regido pela Lei de Incorporações Imobiliárias. É um texto promulgado em 1964, que sofreu apenas uma alteração significativa, em 2004. Naquele ano, a falência da construtora Encol criou um mecanismo para proteger o consumidor. Conhecida pelo nome assustador de patrimônio de afetação, a regra é simples de entender. Cada empreendimento é uma empresa isolada. Se a construtora quebrar, como ocorreu com a Encol, os edifícios em construção não são tragados pelo sorvedouro da massa falida. No entanto, diz Ferraz, essa proteção causa um problema se houver muitos distratos. “O dinheiro que o consumidor pagou não fica com a incorporadora, mas é transformado em cimento”, diz ele. “Se tiver de sacar os recursos do caixa, a incorporadora fica sem capital para dar andamento à obra.”

Com a nova lei, muita coisa muda (observe o quadro na página ao lado). Agora, a multa passou a ser de até 50% do valor pago à incorporadora. Além disso, a lei consolidou diversos pontos da jurisprudência, como a redução do prazo de arrependimento para sete dias após a assinatura do contrato. Os únicos pontos mais favoráveis para o consumidor são que, agora, no começo de cada contrato deve haver um quadro resumo com os principais pontos do negócio, explicando claramente as condições e as multas. Além disso, a lei define como ilegal a cobrança de uma taxa de Serviços de Assessoria Técnica Imobiliária, conhecida como taxa Sati. “A lei deixou vários pontos mais claros”, Elisa Fernandes, sócia-fundadora do escritório FF Advogados. “Esse é um movimento muito favorável ao mercado imobiliário, pois permite às incorporadoras planejar melhor, o que favorece o consumidor”, diz ela.

din1103-investidor2

Edifício em construção: multa para quem desistir será de 50% do valor pago

Segundo a advogada, o único ponto que não está claro na nova lei é se ela vale para todos os contratos imobiliários ou apenas para os que forem assinados a partir de sua promulgação. “Esse ponto ainda terá de ser pacificado”, diz ela. Por via das dúvidas, Elisa instrui seus clientes a considerar todos os contratos como sujeitos à nova regulamentação.

CONSUMDORES Os representantes dos direitos do consumidor, como o Procon e a Proteste, não gostaram, pois consideram as regras severas demais. Durante a tramitação, representantes de ambos os lados chegaram a se reunir várias vezes para tentar buscar um consenso. Algumas das propostas ventiladas durante a tramitação previam percentuais diferentes para as multas, dependendo do valor do imóvel, além da diferenciação entre imóveis residenciais e comerciais.

Agora, de acordo com o professor Antonio Carlos Morato, do Departamento de Direito Civil da Faculdade de Direito da USP e especialista em Direito do Consumidor, a multa de 50% do valor já pago é injusta. Para ele, há um desequilíbrio entre o exigido ao consumidor e o exigido às construtoras. “É algo que demonstra a existência clara de grupos de pressão no Congresso Nacional, que acabaram prevalecendo neste período”, diz ele. Morato prevê que a nova lei poderá ser contestada no Supremo Tribunal Federal. Independentemente disso, a recomendação para quem for comprar um imóvel financiado é ser muito mais cauteloso com os números, pois o preço da desistência ficou muito mais salgado.

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