Fernandes Figueiredo em Foco

30 de maio de 2019

A MP da liberdade econômica e seus primeiros reflexos

No último dia 30 de abril de 2019, foi promulgada a MP que “Institui a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, que estabelece garantias de livre mercado.

Em linhas gerais, a MP da Liberdade Econômica alterou normas e princípios que antes eram vistos como intervencionistas, e tem como finalidade principal dar mais autonomia aos particulares e desburocratizar o dia a dia do empresariado. Trouxe consigo, portanto, propostas interessantes para a sociedade, especialmente por buscar a facilitação dos negócios privados e, consequentemente, propiciar o aquecimento da economia.

Nesse sentido, a MP visou a presunção da boa-fé do empresário e reafirmou a antiga máxima de que a boa-fé se presume, enquanto a má-fé se prova. Embora ainda haja discussões sobre a constitucionalidade da MP, vale a sua breve análise desde já com foco na desconsideração da personalidade jurídica e, mais especificamente, na nova redação do caput e na inclusão dos §1º e §5º, ambos do artigo 50 do Código Civil (CC), sem, contudo, esgotar o tema.

Em poucas palavras, antes da publicação da MP, o CC somente tinha o artigo 50, sem nenhum inciso e parágrafo, para conceituar o instituto da desconsideração da personalidade jurídica, cabendo à doutrina e ao próprio CPC o aprimorado do instituto. A MP incluiu 5 (cinco) parágrafos para melhor disciplinar o tema e, dentre as novas regras, exige o dolo para a configuração do desvio de finalidade (§1º) e também para comprovar a expansão e/ou alteração da finalidade da empresa de maneira a lesar credores (§5º).

O caput do artigo 50 do CC passou a considerar que responderão pelo ato lesivo somente aqueles que efetivamente foram beneficiados pelo ato. Grande parte da doutrina já defendia a necessidade dessa mudança, justamente para a proteção dos sócios de boa-fé que, muitas vezes, sequer tinham conhecimento do ilícito praticado em nome da sociedade, evitando, assim, o uso desproporcional e desmedido da desconsideração. Sem prejuízo da evolução do caput do artigo 50 do CC, os §§s 1º e 5º demandam uma análise ainda mais ponderada, pois aparentemente representam um retrocesso na legislação. Vejamos:

A MP reformou totalmente um entendimento que antes era unanime e passou a tratar o dolo como condição sine qua non para o reconhecimento do desvio de finalidade da empresa (§1º). Vale lembrar que dolo, na ótica do Direito Civil, consiste na prática de um determinado ato com a intenção de obter um resultado ilícito, como por exemplo lesar credores.

Desta forma, além de poder gerar mais dificuldade na aplicação da desconsideração, que por si só já consiste em medida processual excepcional, a comprovação do dolo nessas situações pode implicar prova de difícil, senão de impossível produção. Ao invés de se comprovar “somente” a utilização ilícita da pessoa jurídica, que já se mostra muito trabalhoso, os lesados terão que provar o dolo do sócio ao agir deste modo, com a intenção de lesar credores.

Ainda nesse sentido, importante ponderar que a alteração contraria jurisprudência pacificada do STJ, que entende ser o dolo essencial apenas para os casos de encerramento irregular da empresa, mas não de desvio de finalidade. O dolo também passou a ser elemento indispensável à aplicação da desconsideração em casos de expansão e/ou alteração da finalidade da sociedade, na intenção de lesar credores (§5º).

Parece que a MP contribuiu negativamente para o assunto, uma vez que, como sabemos, aquele que altera a finalidade original da atividade econômica da empresa, muito provavelmente, desvia o seu propósito . Assim, condicionar essa hipótese de desconsideração da personalidade jurídica à comprovação do dolo resulta em um ônus excessivo à parte lesada e, ao mesmo tempo, dificulta ainda mais a sua aplicação.

Com efeito, essa nova ideia deve ser cuidadosamente analisada, mesmo porque sabemos que infelizmente é comum em nosso país se utilizar de pessoa jurídica para fi ns escusos, com a intenção de lesar credores, o que também justifica a “avalanche” de pedidos judiciais de desconsideração.

Nesse sentido, a necessidade de se comprovar o dolo para ambos os casos mencionados (desvio de finalidade e expansão e/ou alteração da finalidade da empresa) pode representar uma enorme contradição aos próprios objetivos da MP da Liberdade Econômica, uma vez que, ao mesmo tempo em que visa a estimular a economia nacional, credores poderão ser vítimas do mal-uso da pessoa jurídica e ter dificultada na satisfação de seus créditos.

Todavia, os §§1º e 5º devem ser analisados com parcimônia, uma vez que, se por um lado fortalecem a distinção da pessoa jurídica da pessoa de seu sócio, o que é demasiado importante no desenvolvimento da atividade empresarial, podem acabar por proteger demasiadamente os “empresários” que abusam da personalidade jurídica, ao condicionar a aplicação da desconsideração, na maioria dos casos, à comprovação do dolo.

(*) – É sócia fundado do FF Advogados, responsável pelas áreas de direito privado, contencioso cível, arbitragem, imobiliário, família e sucessões (elisa.figueiredo@fflaw. com.br);
(**) – É Advogado do FF Advogados, atua na área de Contencioso Cível (thiago.schapiro@fflaw.com.br).

 

encurtador.com.br/oDQ17

 

 

 [:en]No último dia 30 de abril de 2019, foi promulgada a MP que “Institui a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, que estabelece garantias de livre mercado.

Em linhas gerais, a MP da Liberdade Econômica alterou normas e princípios que antes eram vistos como intervencionistas, e tem como finalidade principal dar mais autonomia aos particulares e desburocratizar o dia a dia do empresariado. Trouxe consigo, portanto, propostas interessantes para a sociedade, especialmente por buscar a facilitação dos negócios privados e, consequentemente, propiciar o aquecimento da economia.

Nesse sentido, a MP visou a presunção da boa-fé do empresário e reafirmou a antiga máxima de que a boa-fé se presume, enquanto a má-fé se prova. Embora ainda haja discussões sobre a constitucionalidade da MP, vale a sua breve análise desde já com foco na desconsideração da personalidade jurídica e, mais especificamente, na nova redação do caput e na inclusão dos §1º e §5º, ambos do artigo 50 do Código Civil (CC), sem, contudo, esgotar o tema.

Em poucas palavras, antes da publicação da MP, o CC somente tinha o artigo 50, sem nenhum inciso e parágrafo, para conceituar o instituto da desconsideração da personalidade jurídica, cabendo à doutrina e ao próprio CPC o aprimorado do instituto. A MP incluiu 5 (cinco) parágrafos para melhor disciplinar o tema e, dentre as novas regras, exige o dolo para a configuração do desvio de finalidade (§1º) e também para comprovar a expansão e/ou alteração da finalidade da empresa de maneira a lesar credores (§5º).

O caput do artigo 50 do CC passou a considerar que responderão pelo ato lesivo somente aqueles que efetivamente foram beneficiados pelo ato. Grande parte da doutrina já defendia a necessidade dessa mudança, justamente para a proteção dos sócios de boa-fé que, muitas vezes, sequer tinham conhecimento do ilícito praticado em nome da sociedade, evitando, assim, o uso desproporcional e desmedido da desconsideração. Sem prejuízo da evolução do caput do artigo 50 do CC, os §§s 1º e 5º demandam uma análise ainda mais ponderada, pois aparentemente representam um retrocesso na legislação. Vejamos:

A MP reformou totalmente um entendimento que antes era unanime e passou a tratar o dolo como condição sine qua non para o reconhecimento do desvio de finalidade da empresa (§1º). Vale lembrar que dolo, na ótica do Direito Civil, consiste na prática de um determinado ato com a intenção de obter um resultado ilícito, como por exemplo lesar credores.

Desta forma, além de poder gerar mais dificuldade na aplicação da desconsideração, que por si só já consiste em medida processual excepcional, a comprovação do dolo nessas situações pode implicar prova de difícil, senão de impossível produção. Ao invés de se comprovar “somente” a utilização ilícita da pessoa jurídica, que já se mostra muito trabalhoso, os lesados terão que provar o dolo do sócio ao agir deste modo, com a intenção de lesar credores.

Ainda nesse sentido, importante ponderar que a alteração contraria jurisprudência pacificada do STJ, que entende ser o dolo essencial apenas para os casos de encerramento irregular da empresa, mas não de desvio de finalidade. O dolo também passou a ser elemento indispensável à aplicação da desconsideração em casos de expansão e/ou alteração da finalidade da sociedade, na intenção de lesar credores (§5º).

Parece que a MP contribuiu negativamente para o assunto, uma vez que, como sabemos, aquele que altera a finalidade original da atividade econômica da empresa, muito provavelmente, desvia o seu propósito . Assim, condicionar essa hipótese de desconsideração da personalidade jurídica à comprovação do dolo resulta em um ônus excessivo à parte lesada e, ao mesmo tempo, dificulta ainda mais a sua aplicação.

Com efeito, essa nova ideia deve ser cuidadosamente analisada, mesmo porque sabemos que infelizmente é comum em nosso país se utilizar de pessoa jurídica para fi ns escusos, com a intenção de lesar credores, o que também justifica a “avalanche” de pedidos judiciais de desconsideração.

Nesse sentido, a necessidade de se comprovar o dolo para ambos os casos mencionados (desvio de finalidade e expansão e/ou alteração da finalidade da empresa) pode representar uma enorme contradição aos próprios objetivos da MP da Liberdade Econômica, uma vez que, ao mesmo tempo em que visa a estimular a economia nacional, credores poderão ser vítimas do mal-uso da pessoa jurídica e ter dificultada na satisfação de seus créditos.

Todavia, os §§1º e 5º devem ser analisados com parcimônia, uma vez que, se por um lado fortalecem a distinção da pessoa jurídica da pessoa de seu sócio, o que é demasiado importante no desenvolvimento da atividade empresarial, podem acabar por proteger demasiadamente os “empresários” que abusam da personalidade jurídica, ao condicionar a aplicação da desconsideração, na maioria dos casos, à comprovação do dolo.

(*) – É sócia fundado do FF Advogados, responsável pelas áreas de direito privado, contencioso cível, arbitragem, imobiliário, família e sucessões (elisa.figueiredo@fflaw. com.br);
(**) – É Advogado do FF Advogados, atua na área de Contencioso Cível (thiago.schapiro@fflaw.com.br).[:es]No último dia 30 de abril de 2019, foi promulgada a MP que “Institui a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, que estabelece garantias de livre mercado.

Em linhas gerais, a MP da Liberdade Econômica alterou normas e princípios que antes eram vistos como intervencionistas, e tem como finalidade principal dar mais autonomia aos particulares e desburocratizar o dia a dia do empresariado. Trouxe consigo, portanto, propostas interessantes para a sociedade, especialmente por buscar a facilitação dos negócios privados e, consequentemente, propiciar o aquecimento da economia.

Nesse sentido, a MP visou a presunção da boa-fé do empresário e reafirmou a antiga máxima de que a boa-fé se presume, enquanto a má-fé se prova. Embora ainda haja discussões sobre a constitucionalidade da MP, vale a sua breve análise desde já com foco na desconsideração da personalidade jurídica e, mais especificamente, na nova redação do caput e na inclusão dos §1º e §5º, ambos do artigo 50 do Código Civil (CC), sem, contudo, esgotar o tema.

Em poucas palavras, antes da publicação da MP, o CC somente tinha o artigo 50, sem nenhum inciso e parágrafo, para conceituar o instituto da desconsideração da personalidade jurídica, cabendo à doutrina e ao próprio CPC o aprimorado do instituto. A MP incluiu 5 (cinco) parágrafos para melhor disciplinar o tema e, dentre as novas regras, exige o dolo para a configuração do desvio de finalidade (§1º) e também para comprovar a expansão e/ou alteração da finalidade da empresa de maneira a lesar credores (§5º).

O caput do artigo 50 do CC passou a considerar que responderão pelo ato lesivo somente aqueles que efetivamente foram beneficiados pelo ato. Grande parte da doutrina já defendia a necessidade dessa mudança, justamente para a proteção dos sócios de boa-fé que, muitas vezes, sequer tinham conhecimento do ilícito praticado em nome da sociedade, evitando, assim, o uso desproporcional e desmedido da desconsideração. Sem prejuízo da evolução do caput do artigo 50 do CC, os §§s 1º e 5º demandam uma análise ainda mais ponderada, pois aparentemente representam um retrocesso na legislação. Vejamos:

A MP reformou totalmente um entendimento que antes era unanime e passou a tratar o dolo como condição sine qua non para o reconhecimento do desvio de finalidade da empresa (§1º). Vale lembrar que dolo, na ótica do Direito Civil, consiste na prática de um determinado ato com a intenção de obter um resultado ilícito, como por exemplo lesar credores.

Desta forma, além de poder gerar mais dificuldade na aplicação da desconsideração, que por si só já consiste em medida processual excepcional, a comprovação do dolo nessas situações pode implicar prova de difícil, senão de impossível produção. Ao invés de se comprovar “somente” a utilização ilícita da pessoa jurídica, que já se mostra muito trabalhoso, os lesados terão que provar o dolo do sócio ao agir deste modo, com a intenção de lesar credores.

Ainda nesse sentido, importante ponderar que a alteração contraria jurisprudência pacificada do STJ, que entende ser o dolo essencial apenas para os casos de encerramento irregular da empresa, mas não de desvio de finalidade. O dolo também passou a ser elemento indispensável à aplicação da desconsideração em casos de expansão e/ou alteração da finalidade da sociedade, na intenção de lesar credores (§5º).

Parece que a MP contribuiu negativamente para o assunto, uma vez que, como sabemos, aquele que altera a finalidade original da atividade econômica da empresa, muito provavelmente, desvia o seu propósito . Assim, condicionar essa hipótese de desconsideração da personalidade jurídica à comprovação do dolo resulta em um ônus excessivo à parte lesada e, ao mesmo tempo, dificulta ainda mais a sua aplicação.

Com efeito, essa nova ideia deve ser cuidadosamente analisada, mesmo porque sabemos que infelizmente é comum em nosso país se utilizar de pessoa jurídica para fi ns escusos, com a intenção de lesar credores, o que também justifica a “avalanche” de pedidos judiciais de desconsideração.

Nesse sentido, a necessidade de se comprovar o dolo para ambos os casos mencionados (desvio de finalidade e expansão e/ou alteração da finalidade da empresa) pode representar uma enorme contradição aos próprios objetivos da MP da Liberdade Econômica, uma vez que, ao mesmo tempo em que visa a estimular a economia nacional, credores poderão ser vítimas do mal-uso da pessoa jurídica e ter dificultada na satisfação de seus créditos.

Todavia, os §§1º e 5º devem ser analisados com parcimônia, uma vez que, se por um lado fortalecem a distinção da pessoa jurídica da pessoa de seu sócio, o que é demasiado importante no desenvolvimento da atividade empresarial, podem acabar por proteger demasiadamente os “empresários” que abusam da personalidade jurídica, ao condicionar a aplicação da desconsideração, na maioria dos casos, à comprovação do dolo.

(*) – É sócia fundado do FF Advogados, responsável pelas áreas de direito privado, contencioso cível, arbitragem, imobiliário, família e sucessões (elisa.figueiredo@fflaw. com.br);
(**) – É Advogado do FF Advogados, atua na área de Contencioso Cível (thiago.schapiro@fflaw.com.br).