Conteúdo Jurídico

14 de agosto de 2018

A responsabilidade civil por causa desconhecida

bus-690508_960_720

por Elisa Junqueira Figueiredo e Marcus Swenson de Lima

Começou no ramo dos transportes, em especial no transporte aéreo, as discussões doutrinárias sobre a “responsabilidade civil por causa desconhecida”, também chamada de “responsabilidade civil sem causa definida”, tendo em vista a complexidade de razões que costumam envolver os acidentes aéreos. Não são raras as ocasiões de não se chegar a uma conclusão efetiva sobre a causa do acidente nas perícias técnicas realizadas nos destroços das aeronaves, isso quando são possíveis de serem realizadas. Com o avanço tecnológico, as responsabilidades certamente não serão sempre conhecidas e definidas. Como, então, responsabilizar o culpado? Que culpado?

As discussões iniciais sobre as responsabilidades das companhias aéreas residiam na possibilidade de elas serem ou não responsáveis objetivamente pelos acidentes, ou se as vítimas ficariam sem reparação do prejuízo sofrido, caso não conseguissem comprovar a culpa da transportadora. No direito italiano e germânico este tipo de responsabilidade do transportador é presumida, baseada na teoria do risco da atividade que estas empresas se dispõem a fazer, pois a proteção ao passageiro é prioritária e não a exime de responsabilidade mesmo nos casos em que o transportador aéreo consiga demonstrar ter feito tudo o que era possível para que o acidente não ocorresse. As únicas hipóteses para se eximir do dever de indenizar, é conseguir demonstrar a culpa exclusiva da vítima ou de terceiros e nos casos de força maior extrínseca, aquela que, para ser caracterizada, precisa obedecer aos critérios dos três “is”: ser (o fato) inevitável (anterior ao acontecimento), ser (o fato) irresistível (durante o evento) e que torne impossível (após o evento) de ser exigido o cumprimento da obrigação.

A responsabilidade civil que conhecemos e também utilizamos por aqui segue essa mesma linha do direito civil europeu e talvez seja a forma mais próxima de se fazer e enxergar a justiça, ao menos na esfera civil. Academicamente, nós poderíamos dividir a responsabilidade civil em cinco funções principais: a de prevenção, a de precaução, a de reparação, a distributiva e a punitiva. Quando o dano é esperado, a prevenção sempre é a melhor saída. Quando o dano não é esperado, a precaução aparece como a melhor alternativa. Quando o dano já ocorreu, a reparação surge como o remédio. Nas situações em que o dano é impossível de ser suportado por uma única pessoa, surge a função distributiva para tentar dividir entre muitos os prejuízos para que, de certa forma, os tornem “suportáveis”. Por fim, para aqueles que não costumam agir com a boa-fé para com os demais, a função punitiva seria usada na tentativa de inibir aqueles que agissem dessa forma.

A teoria da culpa (responsabilidade subjetiva) e a teoria do risco (responsabilidade objetiva), bem ou mal, representam as formas encontradas pelo direito brasileiro, até o presente momento, para buscar a reparação a um prejuízo sofrido. A teoria do risco que conhecemos hoje, expressa no parágrafo único do artigo 927 do Código Civil, se baseou na figura do guardião (ou guarda) da coisa para imputar-lhe a responsabilidade. Essa teoria surgiu da preocupação dos juízes e juristas franceses em dar uma resposta à sociedade francesa do fim do século XIX, sobre o aumento de acidentes trazidos pelo desenvolvimento das máquinas, para proteger as vítimas desses acidentes, uma vez que culpar as máquinas pelo dano não estava resolvendo o problema, e a pessoa acabava por arcar sozinha com seu prejuízo.

Mas as duas teorias, da culpa e do risco, sozinhas continuarão sendo suficientes para reparar um dano causado, digamos, por um robô, autônomo, em um futuro não muito distante? A dificuldade que a responsabilidade civil terá que enfrentar para responder este questionamento não será pequena, ante à dicotomia existente entre regrar demais, impedindo o avanço tecnológico, ou regrar de menos, a ponto de danos ficarem impunes.

A dose do remédio terá que ser precisa para o remédio não matar o paciente.

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por Elisa Junqueira Figueiredo e Marcus Swenson de Lima

Começou no ramo dos transportes, em especial no transporte aéreo, as discussões doutrinárias sobre a “responsabilidade civil por causa desconhecida”, também chamada de “responsabilidade civil sem causa definida”, tendo em vista a complexidade de razões que costumam envolver os acidentes aéreos. Não são raras as ocasiões de não se chegar a uma conclusão efetiva sobre a causa do acidente nas perícias técnicas realizadas nos destroços das aeronaves, isso quando são possíveis de serem realizadas. Com o avanço tecnológico, as responsabilidades certamente não serão sempre conhecidas e definidas. Como, então, responsabilizar o culpado? Que culpado?

As discussões iniciais sobre as responsabilidades das companhias aéreas residiam na possibilidade de elas serem ou não responsáveis objetivamente pelos acidentes, ou se as vítimas ficariam sem reparação do prejuízo sofrido, caso não conseguissem comprovar a culpa da transportadora. No direito italiano e germânico este tipo de responsabilidade do transportador é presumida, baseada na teoria do risco da atividade que estas empresas se dispõem a fazer, pois a proteção ao passageiro é prioritária e não a exime de responsabilidade mesmo nos casos em que o transportador aéreo consiga demonstrar ter feito tudo o que era possível para que o acidente não ocorresse. As únicas hipóteses para se eximir do dever de indenizar, é conseguir demonstrar a culpa exclusiva da vítima ou de terceiros e nos casos de força maior extrínseca, aquela que, para ser caracterizada, precisa obedecer aos critérios dos três “is”: ser (o fato) inevitável (anterior ao acontecimento), ser (o fato) irresistível (durante o evento) e que torne impossível (após o evento) de ser exigido o cumprimento da obrigação.

A responsabilidade civil que conhecemos e também utilizamos por aqui segue essa mesma linha do direito civil europeu e talvez seja a forma mais próxima de se fazer e enxergar a justiça, ao menos na esfera civil. Academicamente, nós poderíamos dividir a responsabilidade civil em cinco funções principais: a de prevenção, a de precaução, a de reparação, a distributiva e a punitiva. Quando o dano é esperado, a prevenção sempre é a melhor saída. Quando o dano não é esperado, a precaução aparece como a melhor alternativa. Quando o dano já ocorreu, a reparação surge como o remédio. Nas situações em que o dano é impossível de ser suportado por uma única pessoa, surge a função distributiva para tentar dividir entre muitos os prejuízos para que, de certa forma, os tornem “suportáveis”. Por fim, para aqueles que não costumam agir com a boa-fé para com os demais, a função punitiva seria usada na tentativa de inibir aqueles que agissem dessa forma.

A teoria da culpa (responsabilidade subjetiva) e a teoria do risco (responsabilidade objetiva), bem ou mal, representam as formas encontradas pelo direito brasileiro, até o presente momento, para buscar a reparação a um prejuízo sofrido. A teoria do risco que conhecemos hoje, expressa no parágrafo único do artigo 927 do Código Civil, se baseou na figura do guardião (ou guarda) da coisa para imputar-lhe a responsabilidade. Essa teoria surgiu da preocupação dos juízes e juristas franceses em dar uma resposta à sociedade francesa do fim do século XIX, sobre o aumento de acidentes trazidos pelo desenvolvimento das máquinas, para proteger as vítimas desses acidentes, uma vez que culpar as máquinas pelo dano não estava resolvendo o problema, e a pessoa acabava por arcar sozinha com seu prejuízo.

Mas as duas teorias, da culpa e do risco, sozinhas continuarão sendo suficientes para reparar um dano causado, digamos, por um robô, autônomo, em um futuro não muito distante? A dificuldade que a responsabilidade civil terá que enfrentar para responder este questionamento não será pequena, ante à dicotomia existente entre regrar demais, impedindo o avanço tecnológico, ou regrar de menos, a ponto de danos ficarem impunes.

A dose do remédio terá que ser precisa para o remédio não matar o paciente.

[:es]bus-690508_960_720

por Elisa Junqueira Figueiredo e Marcus Swenson de Lima

Começou no ramo dos transportes, em especial no transporte aéreo, as discussões doutrinárias sobre a “responsabilidade civil por causa desconhecida”, também chamada de “responsabilidade civil sem causa definida”, tendo em vista a complexidade de razões que costumam envolver os acidentes aéreos. Não são raras as ocasiões de não se chegar a uma conclusão efetiva sobre a causa do acidente nas perícias técnicas realizadas nos destroços das aeronaves, isso quando são possíveis de serem realizadas. Com o avanço tecnológico, as responsabilidades certamente não serão sempre conhecidas e definidas. Como, então, responsabilizar o culpado? Que culpado?

As discussões iniciais sobre as responsabilidades das companhias aéreas residiam na possibilidade de elas serem ou não responsáveis objetivamente pelos acidentes, ou se as vítimas ficariam sem reparação do prejuízo sofrido, caso não conseguissem comprovar a culpa da transportadora. No direito italiano e germânico este tipo de responsabilidade do transportador é presumida, baseada na teoria do risco da atividade que estas empresas se dispõem a fazer, pois a proteção ao passageiro é prioritária e não a exime de responsabilidade mesmo nos casos em que o transportador aéreo consiga demonstrar ter feito tudo o que era possível para que o acidente não ocorresse. As únicas hipóteses para se eximir do dever de indenizar, é conseguir demonstrar a culpa exclusiva da vítima ou de terceiros e nos casos de força maior extrínseca, aquela que, para ser caracterizada, precisa obedecer aos critérios dos três “is”: ser (o fato) inevitável (anterior ao acontecimento), ser (o fato) irresistível (durante o evento) e que torne impossível (após o evento) de ser exigido o cumprimento da obrigação.

A responsabilidade civil que conhecemos e também utilizamos por aqui segue essa mesma linha do direito civil europeu e talvez seja a forma mais próxima de se fazer e enxergar a justiça, ao menos na esfera civil. Academicamente, nós poderíamos dividir a responsabilidade civil em cinco funções principais: a de prevenção, a de precaução, a de reparação, a distributiva e a punitiva. Quando o dano é esperado, a prevenção sempre é a melhor saída. Quando o dano não é esperado, a precaução aparece como a melhor alternativa. Quando o dano já ocorreu, a reparação surge como o remédio. Nas situações em que o dano é impossível de ser suportado por uma única pessoa, surge a função distributiva para tentar dividir entre muitos os prejuízos para que, de certa forma, os tornem “suportáveis”. Por fim, para aqueles que não costumam agir com a boa-fé para com os demais, a função punitiva seria usada na tentativa de inibir aqueles que agissem dessa forma.

A teoria da culpa (responsabilidade subjetiva) e a teoria do risco (responsabilidade objetiva), bem ou mal, representam as formas encontradas pelo direito brasileiro, até o presente momento, para buscar a reparação a um prejuízo sofrido. A teoria do risco que conhecemos hoje, expressa no parágrafo único do artigo 927 do Código Civil, se baseou na figura do guardião (ou guarda) da coisa para imputar-lhe a responsabilidade. Essa teoria surgiu da preocupação dos juízes e juristas franceses em dar uma resposta à sociedade francesa do fim do século XIX, sobre o aumento de acidentes trazidos pelo desenvolvimento das máquinas, para proteger as vítimas desses acidentes, uma vez que culpar as máquinas pelo dano não estava resolvendo o problema, e a pessoa acabava por arcar sozinha com seu prejuízo.

Mas as duas teorias, da culpa e do risco, sozinhas continuarão sendo suficientes para reparar um dano causado, digamos, por um robô, autônomo, em um futuro não muito distante? A dificuldade que a responsabilidade civil terá que enfrentar para responder este questionamento não será pequena, ante à dicotomia existente entre regrar demais, impedindo o avanço tecnológico, ou regrar de menos, a ponto de danos ficarem impunes.

A dose do remédio terá que ser precisa para o remédio não matar o paciente.